Indicação de série: “Ertugrul”. Uma história dos turcos!

Matheus Gusmão
3 min readJan 6, 2023

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Já assisti mais de dois terços de “Ertugrul”, o que, a meu ver, me possibilita relativa tranquilidade para fazer alguns comentários sobre a série. Em primeiro lugar, não é a toa que é tida como a GOT do Oriente. De fato, há uma série de intrigas, traições, disputa por poder, casamentos arranjados e etc. Contudo, não há dragões (rsrs), embora o misticismo islâmico, particularmente o sufismo, seja bem presente — e muito bonito, inclusive.

Como já falei anteriormente, Ertugrul é uma série turca, disponível na Netflix e com mais de quatrocentos episódios que se propõe a contar sobre os antepassados dos atuais turcos. Para tanto, a série volta, então, ao século 12, acompanhando a história do homem que dá origem não só a série, mas também ao fundador do poderoso Império Otomano (Ertugrul é pai de Osman, ou Otoman), de modo que acaba por ser baseada em fatos reais.

Trata-se de uma produção realmente muito bem produzida, com figurinos, diálogos e ambientes elaborados. A Turquia, palco da série, é abordada principalmente a partir de suas florestas mediterrâneas, seus relevos cobertos por neve no inverno, cavernas e, o que achei mais apaixonante, suas estepes. Do ponto de vista da geografia física, a série explora muito bem a paisagem turca.

Interessante é a divisão sexual do trabalho. Aparentemente, as mulheres turcas ficavam encarregadas da produção de tapetes (que eram lindos), da criação dos filhos e da cozinha. Aos homens, por outro lado, ficavam destinadas as tarefas militares, de caça e políticas. Ocorre que as mulheres também aprendiam a manusear adagas afiadissimas, flechas e, na ausência dos homens, a representar politicamente a tribo. O contrário não existia.

Cenas de sexo? Esqueça. É explorada outras demonstrações de afeto, como, por exemplo, abraços, choros, toques de nariz, beijos na testa, carinhos no cabelo, senso de solidariedade, proteção coletiva e da família, honra e etc. Lembrando que a Turquia, embora secular desde o início do século XX, ainda assim tem no islã um forte elemento de construção cultural.

Como dito inicialmente, a questão da vestimenta também aparece bastante. Não só mulheres como também homens cobriam a cabeça. Às primeiras, sobretudo aquelas da elite, contudo, não ficava destinado os atuais tecidos conhecidos no mundo islâmico, mas sim o uso de pedras coloridas e outros atributos. Os homens, por outro lado, também cobriam a cabeça com utensílios que variavam de acordo com sua posição dentro de uma hierarquia muçulmana. Tirá-los? Somente em situações específicas, como em confrontos.

O fenótipo dos personagens também é digno de nota. Sobrancelhas grossas, tanto por parte dos homens quanto das mulheres, barbas e cabelos escuros, enfim. Muito, muito interessante. Curiosamente, a mestiçagem, em suas múltiplas dimensões, não é muito explorada.

Alguns termos islâmicos, embora não muito bem explicados, também são apresentados, como sultão e emir. A influência árabe, sobretudo na música, também se faz presente. Já a língua turca, oficial da série, é extremamente difícil, rsrs. Por sorte, há legendas em português e inglês. Inclusive, a língua turca, embora utilize o alfabeto latino, pertence a uma outra família linguística que não a indo-europeia, da qual o português faz parte.

Por fim, o que achei muito interessante também é um certo “ocidentalismo” na forma com que cristãos são apresentados. São mostrados cruzados, cristãos ortodoxos e os chamados templários. Contudo, mostra-os como se não tivessem muitos valores. Armênios e persas pouco aparecem, embora ainda mais do que judeus. A escravidão, que na época era comum, também não é muito explorada. Africanos, que eram base da escravidão do Império Otomano, não existem.

Mais curioso ainda é o papel apresentado pelos mongóis. São tidos como bárbaros, desprovidos de qualquer civilidade (moram, por exemplo, em barracas precárias, comem sem modos, queimam crianças e mulheres durante conflitos, o que, na perspectiva dos muçulmanos, é algo inconcebível, mesmo durante uma guerra) entre outras visões negativas. A série aparenta que, na visão dos turcos, os mongóis são piores do que os cristãos.

Em suma, trata-se de uma produção premiadíssima, que inclusive recebeu uma sequência, ainda não disponível na Netflix. Já famosa e assistida por muitos no Oriente, merece ser acompanhada também por nós daqui. Embora peque um pouco na qualidade dos efeitos especiais e no slow motion, ainda assim mais acerta do que erra no restante. Recomendo demais. É realmente viciante.

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